Tanto na Ilíada quanto na Odisseia, percebe-se que um homem – falemos dos homens, visto que às mulheres pouco status era dado fora da beleza, ao menos entre as mortais – recebe valor por três atributos: sabedoria (no falar), habilidade (como anfitrião, artesão, no manejo de armas ou de uma lira) e força (para as lidas do cotidiano, para o combate em batalhas, para os jogos, nos remos de uma nau).
Ao ler os dois épicos, fiquei a me perguntar se alguma outra qualidade seria destacável nos homens que Homero faz desfilar diante do leitor. A beleza masculina, decerto, também é merecedora de elogio entre os gregos: o porte, a proporção, o volume, os cabelos. Mas, desacompanhada da sabedoria, habilidade ou força parece vazia, inócua.
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A descrição dos empenhos corpo a corpo nas batalhas que se sucedem na Ilíada é terrível e maravilhosa. Da perfuração de um crânio por uma lança com ponta brônzea ao tombamento de um guerreiro, há toda uma beleza que vai do vigor da vida à tragicidade do último suspiro frente à brutalidade subjugadora. Poucos são os homens que expiram levemente; em suas mortes, o vermelho tinge olhos e cérebros e tudo se vai explosiva e repentinamente. Claro, médicos pesquisadores podem explicar isto fisiologicamente, mas é Homero quem melhor nos diz como a passagem violenta se dá. Tudo é repentina escuridão.
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Peguei-me certo dia, ao ter a leitura da Ilíada interrompida por questão banal, pensando que “era um mal perder por alguns segundos a música do livro”. Não à toa os capítulos, assim como na Odisseia, são Cantos. Mesmo que as melodias originais cantadas pelos aedos tenham se perdido para sempre, a música estará sempre ali, como uma exigência dos versos homéricos.

Resta ainda o mistério: Helena, afinal, caiu seduzida por Alexandre (Páris)? Foi iludida pelos deuses? O rapto se deu com seu auxílio? Ao menos durante o cerco de Troia, ela parece permanecer ao lado de Páris a contragosto, desdenhando da força do raptor diante da imponência de Menelau (de quem fora levada). Mas, na Odisseia, já de volta ao palácio de Menelau, Helena imprime no leitor a sensação da melancolia, talvez desgostosa por ter sido a causa primeira da guerra. Ou, afinal, estaria ela insatisfeita com ambos os homens?
De um modo ou de outro, Helena parece fadada ao desamparo.
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Na Ilíada, Diomedes avulta (como guerreiro) tanto quanto Aquiles e Heitor. Quando Agamemnon já tem para si que a retirada é certa, desamparado por Zeus e acuado junto às naus dos argivos (gregos), é Diomedes o homem a ficar firme, de pé na praia, diante do cerco dos troianos. É verdade que Agamemnon, de volta à batalha, é tomado de furioso espírito e luta com bravura e impiedade, mas foi Diomedes o último bastião quando Aquiles, ensimesmado e ferido pela vaidade, recusou-se a pelear.
Diomedes: anote este nome ao ler a Ilíada.
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Interessante a extrema importância que gregos e troianos davam aos corpos dos mortos. Deveria haver uma cerimônia fúnebre, quando menos um túmulo que marcasse o sepultamento. Como se a alma no Hades (que, ao contrário de certo senso comum, pouca semelhança possui com o inferno cristão) não encontrasse sossego possível sem o correto descanso do corpo que em algum canto jaz. Por isto o extremo vilipêndio de Aquiles ao cadáver de Heitor, arrastado por cavalos até que se despedaçasse e desfigurasse. Por isto a dor maior de Príamo, rei de Troia e pai de Heitor, até que pudesse dar ao filho digna despedida, arriscando a vida ao caminhar entre os gregos para pedir pelo corpo do rebento amado.
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Por fim, encerro este post com um tributo aos galgos, pois que um deles habita minha casa (a graciosíssima e amada Violeta). Estão em pelo menos três passagens, se bem me lembro, e cito aqui sua primeira aparição na Ilíada, Canto VIII, versos 537-542 da tradução de Frederico Lourenço:
“Entre os dianteiros ia Heitor, exultante na sua força.
Tal como o galgo que, na perseguição com patas velozes,
ao javali ou ao leão toca por trás no flanco ou nas nádegas,
e está atento ao momento em que a presa se desvia –
assim Heitor pressionava os Aqueus de longos cabelos, matando quem ficava para trás. Eles fugiam, desbaratados.”