Aquiles e Odisseu, aliados em campos opostos

Odisseu, personagem relevante na Ilíada, contudo de aparição esparsa ao longo da narrativa, difere de Aquiles de modo radical. Se ambos são colocados à prova em batalha, mostrando-se guerreiros temíveis, aquilo que os move é fundamentalmente distinto.

Lembremos, antes de tudo, que Odisseu não desejava ir a Tróia, apelando até a uma fingida loucura. Telêmaco, seu filho, ainda era uma criança de peito, e não havia nada que pudesse levar o “muita-astúcia” a desejar partir. Mas a força do compromisso para com a honra de Menelau, marido de Helena, obriga-o a deixar os seus em ítaca.

Aquiles, em que pese no Canto I da Ilíada deixar claro que nada haviam feito os troianos para levá-lo a com eles guerrear, é um homem que só se justifica nos combates. Por mais que preze seu torrão natal, e por vezes possa parecer saudoso de casa, tem em si o ânimo belicoso daqueles que sabem que foram feitos para a guerra. O mais temido dos aqueus não haveria de se conformar com a paz por demasiado tempo. De temperamento bélico, Aquiles precisa da luta, ele a respira e esta lhe estimula o ímpeto.

Ademais, sabe-se portador de uma existência curta, que seu fado implica em uma passagem breve pela vida, e com isto só lhe resta perpetuar as glórias obtidas nos campos de batalha. Se por um lado imaginamos que, por vontade própria, poderia a tudo abandonar e se retirar para uma vida de paz e calmaria, por outro conhece suas raízes e a si mesmo o bastante para deixar de lado a ilusão de uma morte tranquila na velhice.

Lembremos, em contraponto, que Odisseu se acalma com a profecia a se cumprir de que morrerá em Ítaca, seu lar, em idade avançada e de doce morte. Não quer mais que isto, depois de vinte anos afastado de casa. Já Aquiles transmite ao leitor a profunda impressão de que passaria suas décadas restantes, se tanto vivesse, a procurar conflitos.

Ilíada e Odisseia contam com motivações e sentimentos que se completam, mas absolutamente não se cruzam. A primeira é toda ela a história do cerco a uma cidade que se nega a cair, e tudo pode se resumir:

  1. à assunção de um compromisso de fidelidade que obriga os aqueus a reunirem suas tropas, em nome da honra maculada de Menelau;
  2. à motivação pela pilhagem e prêmios recebidos.

Pode-se observar isto quando Agamemnon usa de um discurso ardiloso para levar seus homens a um último e decisivo (ele crê) ataque aos troianos. Dando-os como derrotados depois de uma década de cerco, instiga-os a abandonar a luta, para logo depois Odisseu expor a vergonha de tal retirada, em um jogo de retóricas opostas que buscam o mesmo e combinado resultado.

Mas não devemos esquecer que, instados a deixar a guerra, todos partem céleres para suas naus. Julgavam todos já ter oferecido mais que suficiente energia e tempo a seus líderes, recebido algo em troca, cumprido largas doses de um compromisso que lhes foi imposto.

Já referido como o homem de mil ardis na Ilíada, Odisseu não recua da luta, e é sua a ideia de um enorme cavalo de madeira com guerreiros no ventre – o que finalmente permite a tomada de Troia. Tal ideia não ocorreria a Aquiles, e se a ele coubesse a decisão de colocá-la em ação, podemos imaginar que a recusaria como artifício indigno de um guerreiro. Mas Odisseu, farto, tem para si que encerrar a extenuante guerra é o que cabe aos líderes aqueus. Que seja com a artimanha do Cavalo de Troia.

No peito de Odisseu, estavam Penélope e Telêmaco.

No de Aquiles, para sua tragédia, pouco mais que orgulho e sangue.

Deixe um comentário

Preencha os seus dados abaixo ou clique em um ícone para log in:

Logo do WordPress.com

Você está comentando utilizando sua conta WordPress.com. Sair /  Alterar )

Foto do Facebook

Você está comentando utilizando sua conta Facebook. Sair /  Alterar )

Conectando a %s

%d blogueiros gostam disto: