Por muito tempo – trinta anos, talvez -, coloquei na sacolinha dos anos 60 e 70 boas quantidades de leite e mel; seriam, para pessoas como eu, paradisíacos.
Parte da impressão vinha de minhas memórias – fui criança e iniciei a adolescência ali -, e juntei a este pacote de lembranças levas de hedonismo e generosas porções de imaturidade fantasiosa. Recusava-me violentamente a crescer, e acreditava que tudo teria sido ainda melhor estivesse eu, por lá, com um cadinho mais de idade.
Era como pensava. Eu, que mergulhei em uma piscina para idiotas, e lá chafurdei na lama que vinha do fundo. Só idiotas passam a vida a lidar com possibilidades falidas.
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Rebobinemos para uns, digamos, dez anos atrás, quando iniciei rápido, poderoso e tardio processo de reavaliação – de minha vida e de sonhos frustrados (porque apenas sonhos).
Nesse mergulho, entre outros elementos, dois livros me ajudaram a sedimentar uma nova visão das coisas que desejei e vivi. Livros que partem da cultura pop para falar do mundo, ou de certo mundo, ou de certo modo de ver e estar no mundo. Livros que explicitaram a estupidez de minhas escolhas.

O primeiro é Mick Jagger, de Philip Norman, substanciosa e ambiciosa biografia de 700 páginas. Não entro aqui na vida de Jagger, que pouco interessa ao que desejo dizer. Bem, interessa apenas lateralmente. É morbidamente curioso e fascinante acompanhar a trajetória dos Stones e de sua cabeça empresarial (Mick, claro) – eles que partiram da relativa ingenuidade dos sessenta para aterrissar no ostensivo cinismo dos setenta -, e perceber como pessoas mais ou menos próximas da banda caíam como moscas.
São mortes, abandonos, perdições e desesperos em fila, em uma sucessão de escolhas afetiva e mentalmente desorganizadas (fiquemos na desorganização). E, claro, eram escolhas que já nasciam apodrecidas pelas drogas, drogas de todos os tipos, drogas fartas, e não há nada para afundar certos sujeitos frágeis como drogas facilmente acessíveis. O pathos que animava boa porção daqueles jovens era autoritariamente implacável e destrutivo.
Jagger viu tudo, entendeu o que via e tomou distância, espertamente (está aí ainda hoje, saltitante e bilionário), sem parecer se importar muito com a pilha de cadáveres que crescia ano a ano a seu lado. Para estes, o que restou dos anos fabulosos?
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O livro que li quase na sequência foi Manson: A Biografia, de Jeff Guinn, com suas densas 520 páginas. Mais (muito mais) que a história de vida do sujeito medíocre que arquitetou dois massacres, berra por atenção o caldo de cultura que permitiu que uma pessoinha sem qualquer brilho mesmerizasse um bando de jovens. O capítulo que traz a saída da prisão de Manson, em meados dos anos 60, elucida a questão: um indivíduo solitário, ambicioso e ressentido, depois de mofar na cadeia, olha para um mundo que não reconhece e rapidamente percebe todas as malditas potencialidades de um discurso torto e enegrecido – para as cabeças a que se dirigia, não se fazia necessário nada de muito articulado, bastando a mão estendida de um falso profeta. Deu no que deu, para a tragédia dos que tombaram.
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Parece estúpido que eu tenha precisado de tanto tempo para ver o que estava diante de mim, pois tive minha boa cota de frustrações, desesperos e drogas, e tantos amigos cederam definitivamente. Mas são poucos os que conseguem sair do redemoinho e perceber onde estão metidos (às vezes, de corpo inteiro).
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Voltando à vaca fria: se para tantos daqueles a vida seguiu boa, fresca e promissora, para outros o que vemos hoje satisfatoriamente lambuzado de delícias não foi outra coisa que não desperdício seguido de morte.
Diversão, houve. E bastante. Diversão inconsequente, que muitos lograram deixar para trás em nome de outra vida.
Para os que lá ficaram (física ou espiritualmente), no entanto, certo tipo de inconsequência exigiu seu tributo em sangue. E, se ouro havia, este era o dos tolos.
Uma resposta para “Sonhos de um idiota”
Texto sensacional 👏🏻
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