Publico agora um conto (revisado e acrescido de pequenos parágrafos) em que é facilmente perceptível a influência de Borges. Assim, não ofereço explicações nem hipóteses satisfatórias. Há, apenas, imaginações, todas elas irrespondíveis, e, portanto, perfeitamente reais.
Desde que assumira o posto, milênios (chamemo-los de milênios) avançaram sobre a poeira e as pedras, volumosos anos que não mudaram nada que o cercava, e o mar seco de odor distinto abrigara incontáveis outros antes dele, nenhum registrado para os que então viriam, nenhum indício de que existiram – fora a inevitabilidade de suas existências.
Nenhum cemitério, nenhum túmulo, nenhum indício. Passado e futuro eram – eram? – distinguíveis apenas pela certeza de que estiveram ali: observando, vigiando, esperando que sua existência chegasse ao fim, e que outros então viessem.
O Ancião sai de seu canto e se aproxima da borda do penhasco – imenso, altíssimo, ventoso. Não há satisfação ou contemplação, tudo é tarefa e toda esta tarefa está na espera de que o próximo venha e lhe tome o lugar. Deste que o sucederá ele nada sabe e nada saberá, como nada sabe e jamais saberá daquele que o precedeu, e assim sempre haverá de ter sido, e haverá de ser. Não há tristeza ou consolação.
São três todas as consciências de cada um que ali permanece: a de que alguém estivera onde este agora se encontra; a de que chegará aquele que lhe encerrará a permanência (e a vida); e a de que uma e outra coisa prosseguirão (aqui entra a esperança e finda a certeza), até que uma improvável ordem rompa o ciclo.
Suas mãos tocam o solo, revolvem partículas grossas, desenham desenhos impossíveis em um planeta (será um planeta?) que não admite estabilidade e consistência. O Antigo jamais se pergunta “Por quê?”, nenhuma dúvida é admissível, e também não há assombro nem desespero. Um imenso jato de luz corta o que se encontra acima de sua cabeça (seria o Céu?), colisões de corpos ciclópicos não identificáveis despejam gases sem ruídos, anéis entrelaçados rodopiam, afastam-se e retomam a dança, e ele acharia tudo belo se a beleza fosse, naquele lugar, conceito e parâmetro.

Observa, mas desconhece o olhar. Ouve, mas ignora o que seja a audição. Sente, sem que sentir possa lhe comunicar qualquer coisa, e ele mesmo jamais disse algo. Pensa?
Dobrado sobre seus joelhos, que altura possui? Que métrica pode medi-lo, que canção jamais dirá o que foi, que livro transmitirá a um leitor impossível sua história?
Não há nenhum desejo, nem mesmo o do sono; se perguntado se já dormira alguma vez, o Guardião não saberia responder, e é possível que sequer entendesse o que chamam de sono, ou sonho. Chamei-o de Ancião e Antigo, mas esta é uma suposição, pois o que denominamos tempo talvez não lhe seja um conceito aplicável. Tudo aquilo que nos é humano, aqui, é estranheza e implausibilidade. Nossas superstições, verdades.
Afasto-me e ganho altura, fixando a figura que se desloca na paisagem hostil. Aprecio-o sem saber dizer por que o faço, aquecendo-me o coração certa ternura, quando percebo em seus gestos e impassibilidade a convicção jamais questionada de que aquele é o lugar que lhe cabe no que chamamos de Universo.
Tu, que me lês agora, sabes se não és observado do alto, e se não guardas algo que não podes identificar – sem razão, sem propósito, sem substituto visível?
Chamar-te-ei Guardião.