Moby Dick, a larger than life whale

Sim, sim, eu sei: a dureza que o livro nos relata é hoje quase inimaginável, e a tragédia pontua cada página. Questões metafísicas à parte – e elas são muitas -, resta a incrível história de obsessão, desespero e resistência de um baleeiro que percorre o mundo movido pela vingança de um homem.

Mais que tudo, e por mais que instintivamente desejemos não estar ali, paradoxalmente todo homem, em algum recanto de sua alma. sabe que não viveu se não esteve dentro do Pequod. Todo homem está diminuído, como homem, fora daquela embarcação. Todos nós somos marujos frustrados, menores, por não termos embarcado. Só aqueles homens viveram plenamente, e morreram plenamente.

Não existe vida para um homem se um Pequod não passou por sua vida. Todos nós, pobres homem de terras firmes, somos menos homens diante daqueles marinheiros. Quem não esteve lá jamais esteve vivo.

Quem não olhou Moby Dick nos olhos, não viveu.

Canary Islands 1954. The American actor Gregory PECK playing Captain Ahab in John HUSTON’s film “Moby Dick”; adapted from the novel by Hermann MELVILLE. Entangled in the ropes of his harpon he is drowned by the white whale.

Por isto, vivemos na nostalgia impossível, de tempos jamais sentidos, e Melville já dizia algo assim ao leitor da época: observem o titã, observem esses homens, observem os oceanos, observem tudo aquilo que a poucos é dado, e de que um dia estaremos afastados em definitivo.

E não falo de um baleeiro, especificamente. A caça às baleias sempre me pareceu abominável, quaisquer que fossem as justificativas econômicas da época. Não me apetece, acompanhar sua perseguição e seu abate me embrulha o estômago. Não é disto que falo.

Mas do desafio que se faz presente aos homens desde sempre, que está a nos convocar onde quer que estejamos, e tão poucos ouvem o chamado. Estamos surdos àquilo que nos é primitivo, atávico, essencial, que está em nossas fibras, adormecido pela civilização, por seu conforto e sua sedução. Somos menos do que poderíamos, estamos incompletos. Precisamos nos justificar diante da energia que recebemos, da força que carregamos. Em Moby Dick, cada personagem a justifica a seu modo, despejando-a sobre a vida. Isto nos falta, na medida em que concentramos tudo nos olhos e em alguns dedos, dedicados à tela de um celular, e nada poderia estar mais distante da criação original em vigor e vontade.

Ler Moby Dick, então, deve ser uma provocação bem-vinda, uma injeção de fúria e determinação em direção a algo, e que cada um escolha seu algo. Não precisamos ser menos, mas escolhemos ser menos. Escolhemos o chão firme e abominamos a superfície líquida, e ao fazê-lo negamos um tanto daquilo que Deus nos deu.

Devemos ir ao mar, de peito aberto, ao menos uma vez antes de nossa morte – nem que seja para nossa morte.

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