Minha educação teve falhas, sem dúvida. Falhas que eventualmente os pais cometem, como uma certa condescendência com as escolhas erradas dos filhos, em uma tentativa de aconselhar e apontar os caminhos sem com isso ferir o livre-arbítrio. Talvez uma insistência na correção evitasse alguns dos meus vários erros ao longo da vida, mas isto também não afeta um milímetro de minhas responsabilidades – afinal, as decisões foram minhas.
Mas uma coisa me foi bem ensinada, e acho que isto se reflete em todas as coisas que ainda faço: o dinheiro não foi feito para humilhar ninguém, nem para afirmar qualquer tipo de superioridade. Se assim o dinheiro é empregado, ele já nasce cheio de máculas. Digo isto pois nunca vi, não me lembro de uma mísera situação em que pessoas com menos recursos que minha família fossem humilhadas, espezinhadas ou maltratadas por qualquer um dos nossos. Aprendemos que o dinheiro vai e vem, e que ele não nos torna moralmente superiores ou legisladores sociais. E que, por mais competência que possamos alegar em nome de um sucesso profissional, há uma dose de sorte, e tal sorte pode ser a diferença entre a sarjeta e uma boa carreira.
Por isto, ainda hoje, quando vejo um mendigo esparramando seus trapos em uma esquina, deitado ao relento, repito automática e mentalmente: esse cara aí é meu irmão, e não estamos em posições inversas por puro acaso. E não vai aí nenhuma hipocrisia, adulação escrota ou coisa do tipo: analisando minha vida, eu realmente poderia estar ali, no chão, em farrapos. Tive muita sorte, antes de tudo. Não fossem as pessoas generosas que encontrei vida afora, eu poderia perfeitamente estar da mão à boca, ou faminto.
Isto faz com que eu veja a afirmação do poder da grana como um crime que brada aos Céus, e dos mais terríveis. No que penso muito na natureza da generosidade: toda e qualquer doação, para ser generosa, deve ser de total desprendimento, nela não pode caber nenhuma cobrança presente ou futura, nenhum tipo de retribuição deve acompanhá-la como uma exigência. Dá-se por vontade e amor, e o objeto de nossos atos generosos não carregará consigo nenhuma necessidade de se sentir abençoado e grato. Esperar um agradecimento que seja já transforma a generosidade em outra coisa, em outro gesto, com outra motivação que não a ação desprendida. Damos porque achamos que devemos dar, e basta.
Vez ou outra vejo vídeos de certas contas em redes sociais em que alguém, em um sinal, oferece gordas quantias a pedintes, ou os presenteia com alguma coisa. A câmera na mão registra com avidez a generosidade, e diz-se por aí que a publicidade tem por razão o estímulo para que o gesto se multiplique. Para mim, isto é nada mais que maquiar de boa ação uma tremenda vaidade, e constrangendo o receptor. Imagino que reação o doador não teria, se consumaria o ato, se o alvo de seu gesto recebesse o que lhe é dado sem demonstrar ostensiva gratidão. É tudo asqueroso, aviltante, baixo.
Ninguém está obrigado, por lei, a ser generoso. Nem mesmo sei se posso afirmar que se trata de uma obrigação moral. Também não acho que alguém deva felicitar a si mesmo por algum gesto generoso. Acho que a coisa é bem simples: você vê alguém precisando, e dá. Sem comoção, sem autocongratulação, sem aguardar retribuição, sem mesmo achar que está fazendo um trato com Deus, nem sequer para deitar a cabecinha no travesseiro e dar aquele sorrisinho “como fui bom, hoje“. Tudo isso denota canalhice e vaidade. Você já não ouviu por aí a frase: “Dei uma esmola e o cara nem me agradeceu”?
Bem, você se sentiria melhor se ele se jogasse aos seus pés, comovidíssimo? É por aguardar reações assim que resolvemos ser generosos? Já não basta o sujeito estar na merda, ferrado até os ossos, e ele ainda deve se sentir obrigado em relação a quem oferece alguma ajuda? Mas que diabo é esse troço? O melhor a fazer é dar, e não é recomendável aguardar um segundo por qualquer agradecimento. O gesto fala por si só, e não precisa de nenhuma consternação de nenhuma das partes.
Fora isso, é cafajestagem travestida de piedade.