O celular, aparelho obsoleto

Participo há duas semanas de um grupo de estudos – e um grupo de estudos conversa, debate, e não é preciso submeter-se a uma avaliação, não há uma nota para a aprovação, e que maravilha esta liberdade – dedicado a entender o funcionamento de alguns mecanismos de desejo, necessidade e produção nas sociedades modernas e contemporâneas (capitalistas). Parece árido, certo? Pois sim, por vezes é bastante árido.

Mas levanta questões interessantíssimas sobre como certos desejos são construídos, e certas necessidades estimuladas por determinadas escolhas produtivas. O que nos levou a perguntar: o que realmente é necessidade, e o que realmente é desejo dentro de um específico ciclo econômico? Quando desejo e necessidade são artificiais, resultado da elaboração de um sistema que fabrica a vontade e estimula a compulsão?

Porque, se fizermos um pequeno esforço, perceberemos que parte das coisas que fazemos são nada mais que hábitos supérfluos – que, uma vez deixados de lado, rapidamente serão esquecidos (não são desejos nem necessidades para valer, reais).

Como Pelé diria:

Entende”?

O ser humano se acostuma com tudo, é o que dizem, e isto é uma verdade em uma imensa gama de casos. Adotamos bobagens (possuem baixíssima densidade) como necessárias ou objeto de desejo, ou objeto de desejo por necessárias. No duro, no duro, muita coisa por aí é puro lixo facilmente dispensável. E não quero assim atacar pequenos hábitos prazerosos – mas prazer não é compulsão ou adesão cega.

Mas, uma vez que o mundo se ajusta a certos modos de funcionamento, e a depender das engrenagens econômicas que entrem em movimento, o relógio não pode andar para trás – e capitulamos todos. Está incorporado, não é mais admissível pensar a respeito de outra maneira, o que passou, passou. É dali para a frente, e pronto.

Mas não nos acostumamos a quase tudo? Não nos acostumamos a uma vida sem os amores que cultivamos por anos – pai, mãe, irmãos, amigos que se foram? Há um pouco de canalhice quando dizemos que determinado gadget resta indispensável.

Paulo Francis afirmava que, em havendo cafezinho e ar-condicionado (e livros, claro), estaria bem em qualquer lugar. Há no que disse exagero proposital, por óbvio, mas não uma inverdade. Não se examinarmos nossas vidas com calma e escrúpulo.

O que digo parece mais correto para duas ou três gerações atrás, e sempre parecerá (e pareceu) mais correto duas ou três gerações passadas. Desejos e necessidades novos surgem e tornam obsoletos desejos e necessidades outros. Se antes queríamos apenas um bom cavalo, passamos a ver o trem como indispensável. Se antes o telégrafo nos atendia agradavelmente, passamos a ver o telefone como obrigatório. Novos equipamentos e novos modelos econômico-sociais exigem o ajuste de nossos desejos e necessidades. A banda toca assim há tanto tempo, e com mudanças tão mais drasticamente rápidas à medida que avançamos, que quaisquer arranjos passados são-nos agora impensáveis.

Claro, claro, não discuto que, na hora de um real aperto, o carro me será mais útil que o melhor dos cavalos. Ora, não é o que digo. Falo de todo um modo de vida mais amplo e disseminado em miudezas, uma quase onipresença nos meios urbanos, empurrando-nos goela abaixo necessidades singulares, bobas. Necessidades desnecessárias. Produtos essenciais dispensáveis. Equipamentos absolutamente úteis que são absolutamente secundários.

O que significa que, agora, somos quase todos parte de um enorme projeto de obsolescência programada. Alguns sabem disto, e relaxam (ou, ao menos, satisfazem-se em entender o processo). Outros, como jecas, olham para trás com desprezo, esquecendo-se que tudo deve passar – e passará.

Neo-ludita, não sou. Mas também não quero abraçar qualquer desejo cafona, fabricado para dar a alguém um dinheiro que, de outro modo, provavelmente seria melhor aplicado.

Mas, todo dia, um malandro e um otário deixam suas casas, e…

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