Como dissemos posts atrás, estamos vendo por aqui uma série dinamarquesa que recomendamos com entusiasmo, Borgen, à disposição no Netflix. Exibida dez anos atrás, com três temporadas de dez capítulos de 1h, concentra suas atenções nas atribulações de uma recém-empossada Primeira-Ministra. Os núcleos estão na sede do governo, na família da protagonista e na cobertura diária da imprensa.
Ontem, no início de sua terceira temporada, conversávamos sobre a austeridade que observamos entre os homens públicos dinamarqueses. Sendo uma nação notoriamente rica, com invejáveis índices de desenvolvimento humano e questões sociais consideravelmente menos graves até mesmo em relação a alguns vizinhos europeus, os mais desavisados poderiam imaginar seus políticos em um permanente fausto – banhando-se com leite de cabra, degustando iguarias sem paralelo e habitando casarões invejáveis, estes com alguns carros mui atraentes em suas garagens.
Não, não, não… nada é assim.
Como entre suecos e noruegueses, de quem são próximos histórica e culturalmente, bem como entre outros países próximos geograficamente, o luxo não é uma marca da casta política. Há uma exigência implícita – e, se necessário, explícita – quanto à discrição e parcimônia, e os salários estão longe de ser um fortíssimo atrativo para a vida pública. Sinais de riqueza ou de enriquecimento seriam, antes de tudo, uma cafonice.

Já no primeiro capítulo da primeira temporada, a futura Primeira-Ministra (então uma parlamentar do Partido Moderado) surge aos nossos olhos pedalando rumo ao trabalho – e isto não é sequer notícia. É possível vislumbrar qualquer um de nossos deputados federais ou senadores fazendo tal coisa em Brasília? Claramente, no cenário público dinamarquês (e, sem pesquisas de apoio, ouso dizer que países distintos como a França e a Inglaterra não fogem deste script), seria de péssimo gosto que um político, ainda que milionário na vida privada, exibisse poderio financeiro, fosse com o que fosse. Postura é mensagem.
Tudo isso só nos envergonha como nação, visto que aqui o mais reles vereador estufa o peito para cacarejar alto sempre que possível, e as benesses acompanham nossos políticos para bem depois de seu afastamento do cargo. Não temos, para dar um entre dezenas de exemplos, um ex-presidente fazendo pouco caso de seus trinta e poucos mil reais de salário? Ex-presidentes, ex-senadores e ex-deputados, todos estes pesarão até o fim de suas vidas nos teus, nos meus, nos nossos ombros.
Borgen é uma aula de civilidade política. Por óbvio, a sociedade dinamarquesa tem suas feridas, suas doenças, suas misérias. Mas ao menos parece poder olhar para seus representantes políticos sem o asco que nos acompanha diariamente.