Labirinto fantástico

Em post recente, comentei que a metafísica e os romances de ideias andam escassos na literatura brasileira. Ou, ao menos, recebem pouco destaque.

E sinto falta também de outro gênero em nossa literatura: o conto fantástico, e aí podemos colocar o horror, o mistério, o absurdo, o inexplicável. Tanto pode ser um cenário completo de modificação da realidade – ou toda uma nova realidade -, quanto uma pequeníssima e quase imperceptível alteração no cotidiano. Quase imperceptível, mas tremendamente perturbadora para quem a nota.

Isto porque estou encerrando a leitura de um excelente livro da editora Casa da Palavra, Contos Fantásticos no Labirinto de Borges, com seleção e apresentação de Braulio Tavares e ilustrações de Romero Cavalcanti.

O argumento é excelente: uma seleção de contos que podem ser considerados “contos borgianos“, aqueles que influenciaram a obra de Jorge Luis Borges, ou que de algum modo com ela se relacionam. Parte deles, citados e comentados pelo escritor argentino nos ensaios e prólogos que redigiu, e outra parte incluída nas várias antologias que ajudou a compilar. Há ainda contos com claras afinidades temáticas com aqueles que o próprio Borges escreveu. Como é amplamente sabido, interessava a Borges muito mais aquilo que se encontrava sob o véu da matéria aparente que a própria matéria.

No livro, há uma mistura de autores hoje esquecidos e autores ainda (felizmente) muito lidos. Entre os primeiros, cito May Sinclair, com Onde Seu Fogo Jamais Se Apaga, história de um amor ou quase amor que, amaldiçoadamente, haverá de perdurar pela eternidade; e Ellery Queen, em O Roubo do Selo Raro, típica e deliciosa história de mistério detetivesco.

Entre aqueles autores amplamente conhecidos, encontramos H. G. Wells, com o Ovo de Cristal, no qual o referido ovo, exposto na vitrine de um antiquário esquecido de Londres, possui a estranha e bela faculdade de permitir ao bom observador vislumbres de outro mundo; há também Franz Kafka, com Um Artista da Fome, melancólica e terrível narrativa sobre um homem que vive a exibir publicamente, como uma atração circense, sua capacidade de jejuar; Edgar Allan Poe e seu conto A Carta Roubada, um clássico absoluto de mistério, onde o paradeiro de uma missiva envolve proeminente personalidade da realeza, cabendo ao irresistível Auguste Dupin solucionar o caso; e A Terceira Expedição, de Ray Bradbury, parte de seu antológico As Crônicas Marcianas, em que a colonização de Marte se transforma em um quase inexprimível horror metafísico.

Enfim, um livro instigante em sua perturbadora exposição de possibilidades de vidas, e que nos mostra de quantos mundos este mundo que habitamos pode ser feito.

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