Álbuns duplos são há muito a jóia da coroa no rock. Seu lançamento por uma banda é emblema de ambições maiores, um momento definidor, exibição de músculos que estabelece em definitivo os limites de sua criação. Se capaz de mostrar fôlego e talento em uma hora e tanto, apresenta ao mundo sua grande glória. Há grandes bandas sem um disco duplo, ou um disco duplo tão bom quanto seus discos regulares? Muitas. Mas é possível perceber o sorrisinho sacana dos grupos que o possuem com pleno êxito artístico.
Hoje, evidentemente, isto perdeu impacto: plataformas digitais e artistas pop voltando a viver de singles fazem com que indústria fonográfica e (enorme) parte do público não percebam com a devida força esses discos, mas os grupos ainda SABEM o que estão fazendo e para quem estão falando – e SABEM que tempo e história jogam a seu favor. Afinal, o que haverá de ficar impresso mais duradouramente em nossas memórias?
Faço, pois, pequena lista com alguns desses lançamentos extáticos do rock´n´roll. Duplos ao vivo, naturalmente, estão de fora, bem como duplos espetaculares de outras praias musicais e, por óbvio, aqueles que se apresentam como coletâneas. E é possível que uma segunda lista venha em breve.
P. S: Ei, psiu!, escuta aqui, olha… para a postagem de amanhã, cinco discos de rock ao vivo que merecem (muito) sua audição.
Obs: se alguém sentir falta, por exemplo, do The Beatles (Álbum Branco) ou do The Wall, sorry… listas do tipo são, por natureza, idiossincráticas. Mas tento explicar: acho que estes dois discos não condensam o melhor que estas bandas podiam apresentar; considero-os irregulares, falta-lhes unidade, ainda que com um bom punhado de fabulosas canções. Mas esta é, claro, a minha lista.
Vamos lá, cronologicamente.

Exile on Main Street (The Rolling Stones, 1972): Brian Jones morrera há um par de anos e Mick Taylor assumira a outra guitarra quando, em 1971 e fugindo da receita inglesa, os Stones se exilaram na França. Em casa alugada por Keith Richards (e que na década de 40 servira de residência a nazistas), juntaram equipamentos e mesas de som para cometer um de seus melhores discos, o mais guloso de sua imensa discografia. Entre toneladas de drogas, visitas de mafiosos de Marselha, olhares da polícia, entrada e saída incessante de visitantes (alguns beeeeem malucos) e o casamento de Jagger, conseguiram gravar no porão do casarão uma das obras-primas definitivas do rock. Provavelmente nenhuma outra banda conseguiria fazer isso em meio a tanta confusão, mas eles eram os Stones – abusados, no auge, arrogantes, incontroláveis em estúdio. E, como naquela canção, com o tempo a seu favor.

Quadrophenia (The Who, 1973): fala-se demais de Tommy (justamente), e comparativamente pouco deste discaço. Ambos foram para as telas de cinema com Daltrey como protagonista, mas nesta pepita o Who conseguiu expandir e simultaneamente condensar todas as angústias e questões existenciais de Pete Townshend. Ondas estourando contra rochas, sintetizadores zunindo incomparáveis, a cozinha em seu melhor desempenho – e nunca o desespero juvenil foi tão bem retratado em um disco. Obra-prima é pouco.

Physical Graffiti (Led Zeppelin, 1975): nos anos 70, ninguém podia acusar o Zeppelin de simplicidade e parcimônia. Quando queria soar alto, grandiloquente, espalhafatoso e abusado, poucos se atreviam a desafiá-lo. Um álbum duplo que pudesse rivalizar com os Beatles e os Stones (modelos e alvos declarados da banda) era então questão de honra, no que Jimmy Page reuniu sua gangue para que a missão fosse implacavelmente cumprida. Das reuniões, ensaios e gravações surge um álbum fantástico, enfileirando clássicos com uma sonoridade perfeita (Page em seu auge como produtor). A banda soa alta, volumosa, banhada em lascívia e luxúria. Presence, que o sucedeu, é ótimo disco, mas este aqui é seu verdadeiro canto do cisne. E que canto, e que cisne.

London Calling (The Clash, 1979): o que há de mais punk neste disco é sua capa, homenagem escancarada a Elvis. De resto, jogam fora trejeitos e pegadas do estilo para abraçar de tudo um cadinho: jazz, rock de garagem, música pop classuda, reggae. Muito além dos dois acordes, mostram-se curiosos, arrojados, insatisfeitos. Do início ao fim, uma festa de fúria, ternura, sarcasmo e rebeldia sem qualquer vergonha de não cumprir expectativas outras que não as suas. Londres está chamando, e é uma ordem. E quem não verter lágrimas ouvindo Spanish Bombs é mulher do padre – ou está morto.

Blood Sugar Sex Magik (Red Hot Chili Peppers, 1991): apesar do relativo sucesso de seu disco anterior, o ótimo Mother´s Milk, os Peppers sabiam que estavam numa encruzilhada: seriam pra sempre a banda festeira e meio adolescente calcada no funk de branco que cometiam (?) – ou nadariam em outras praias, expandiriam seu público, venderiam muitos milhões e, ainda assim, fariam grande música? Escolhida a segunda alternativa, e reunidos pelo chefão Rick Rubin em uma mansão angelena de décadas (lá gravariam, comeriam e morariam até que cuspissem um disco, O disco), mostraram que podiam continuar sacanas, irreverentes, pesados e rápidos – mas também pungentes, profundos, ambiciosos, ecléticos sem dispersão. Resumo: venderam seus muitos milhões, pularam para as grandes arenas e, dali por diante, estariam pra sempre no mainstream – mas nunca mais seriam tão docemente ardidos.
Uma resposta para “Êxito em dobro”
Excelente lista. Dois discos que eu imaginei entraram na lista (Led e Stones), e um eu nunca ouvi (The Who). Hora de incluir todos na playlist. Grande resenha 👏🏻
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