Cinemaço

Cinco clássicos do cinema, cinco filmes que não perderam brilho nem força, cinco filmes cada vez mais raros.

A Montanha dos Sete Abutres (1951): Billy Wilder cruel como nunca (imaginem tal coisa!), dissecando o jornalismo canalha como canalhíssimo pode ser quando precisa de comida. Kirk Douglas, repórter que já viveu melhores dias, vê-se na redação de um pequeno jornal de interior, implorando oportunidades: “Busco a notícia em qualquer lugar; e, se ela não existe, vou à rua e mordo um cachorro”.

Caindo dos Céus ou subindo do Inferno, vem aquilo pelo qual ansiava: homem que explorava montanha vê-se vítima de um deslizamento, e agora basta estender o drama, propagá-lo ao máximo pelo noticiário, deixar que o circo seja armado para exibir-se novamente ao mundo como um jornalista de primeira. Aí, então, sair daquela terra miserável e voltar aos grandes centros. Tudo é sarcasmo, mesquinhez, sensacionalismo, a sordidez entranhada em peles, diálogos, vontades. Um filme primoroso, atualíssimo, que nada envelheceu. Sai o papel, vem a internet, o homem permanece este saco de iniquidades.

Deus e o Diabo na Terra do Sol (1964): cinema brasileiro tantas vezes é um porre de engajamento, certo? Prosélita, melodramático, raso, forçado – um dia deixará de ser este panfleto de quinta e voltará à inquietude, à inteligência divertida, à inovação? Enquanto isto não acontece (acontecerá?), vá a Glauber e tire da cabeça esse preconceito besta contra o baiano. Se é certo que por vezes foi impenetrável e xaropento, aqui ele entrega um faroeste caboclo de prima, climático, épico, cortante, do oeste norte-americano para outra aridez, esta a do sertão nordestino. Platéias jovens de hoje provavelmente não entenderão seu ritmo e suas performances, mas este é um problema do público, não do filme. Uso aqui palavrinha batida: visceral. E o monólogo de Corisco já valeria todo o filme.

Ben-Hur (1959): do paganismo cheio de fausto à conversão sem retorno, este épico não perde nada de suas forças com a passagem das décadas. Charlton Heston enverga caras, bocas, gestos e gemidos para sacudir o espectador mais cético, contando a história de um bem-sucedido mercador judeu que se prostra diante de Jesus Cristo – em Pessoa. O número de cenas antológicas impressiona – a nunca por demais mencionada corrida de bigas, o encontro com o Criador, o momento de sua prisão, a vida de prisioneiro nas galés -, e tudo explode em cores impressionantes. Obrigatório que se veja na maior tela possível, ou ao menos que o espectador enfie a cara na tela à disposição – e dela não desgrude.

Direção: William Wyler

Glória Feita de Sangue (1957): mais um Kirk Douglas, agora com um Stanley Kubrick pré-Spartacus. A miséria e a hipocrisia do absurdo conflito de 1914-1918 sintetizadas com brilho e horror – e se nada mais fosse dito a respeito no cinema, estaria tudo bem.

Oficial é designado para a defesa de três homens acusados de desobediência no front, diante do fogo inimigo (buscam defender-se diante da ameaça temível do fuzilamento). Tensão no pico com o embate entre a desprezível e asquerosa atitude do alto oficialato e a firmeza de um homem que enxerga, ali, nada mais que covardia travestida de honra. Talvez o melhor filme de Kubrick.

Feios, Sujos e Malvados (1976): quando o cinema italiano queria, poucos se atreviam a encará-lo. Entre os anos 50 e 70, tomou para si a missão de desafiar o senso comum e paladares insossos com seus ataques político-sociais, no que produziu uma série de filmes nascidos clássicos.

Aqui, a periferia de Roma é o cenário nada turístico em que uma família de miseráveis – social e moralmente – faz o que acha que deve fazer (qualquer coisa, qualquer coisa) para sobreviver, ainda que às custas do sangue de seu sangue. Uma das mais poderosas e impactantes obras da safra setentista italiana, não perdoa nada nem ninguém em seu close da sordidez humana. Para estômagos sensíveis mas curiosos, recomendo cuidados – evitem a pipoca e bebam bastante água (nada de álcool).

Direção: Ettore Scola

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