”Bombeamos a noite toda, o dia todo, a semana toda – turno após turno. A nau estava se desconjuntando e a água invadia aos borbotões – não o bastante para nos afogar de imediato, mas o bastante para nos matar com a faina nas bombas. E enquanto bombeávamos, o navio nos deixava gradualmente: as amuradas já eram, os balaústres tinham sido arrancados, os ventiladores arrebentados, a porta da cabine destroçada. Não havia nem um ponto seco na nau. Ela estava sendo arrasada parte por parte. O escaler se transformara, como que por mágica, em estilhaços nas peias em que se apoiava. Eu mesmo o havia amarrado e me sentia bem orgulhoso do meu trabalho, que resistira por tanto tempo à malícia do mar. E nós bombeávamos. E o tempo não dava descanso. O mar era branco como uma camada de espuma, como um caldeirão de leite fervente; não havia nem uma quebra nas nuvens, não – nem do tamanho da mão de um homem – não, nem mesmo por dez míseros segundos. Para nós não havia nenhum céu, para nós não havia nenhuma estrela, nenhum sol, nenhum universo – nada senão nuvens raivosas e um mar enfurecido. Bombeávamos turno após turno, como que lutando por nossas vidas; e parecia durar meses, anos, toda a eternidade, como se estivéssemos mortos e presos num inferno para marinheiros. Esquecemos o dia da semana, o nome do mês, qual ano era e se já estivéramos em terra firme. As velas voavam com o vento, a nau jazia tombada de bordo sob uma lona lateral, o oceano se derramava sobre ela, e nós não nos importávamos. Girávamos aquelas manivelas, e tínhamos olhos de idiotas. Assim que nos arrastávamos para o convés, eu volteava com uma corda os homens, as bombas e o mastro grande, e girávamos, girávamos incessantemente, com a água na cintura, no pescoço, sobre a cabeça. Era tudo uma coisa só. Esquecêramos como era sentir-se seco.
(…) Ó juventude! Essa sua força, essa sua fé, sua imaginação! Pra mim, ela não era uma banheira velha acarretando mundo afora um monte de carvão por frete – para mim, ela era a pertinácia, o teste, a provação da vida. Eu penso nela com prazer, com afeição, com pesar – como você pensa em um ente querido que morreu. Nunca hei de esquecê-la…”
Este curto livro é todo ele assim: empolgante, exigindo fôlego, convidando o leitor a sentir no rosto os respingos de água salgada, por vezes muito mais que respingos, vagas inteiras. Homens que se enfiavam em barcos, muitas e muitas vezes sem as melhores ou ao menos adequadas condições, e empreendiam viagens de meses/ano lutando contra tudo aquilo que a natureza no oceano podia jogar contra eles. E nenhum homem, nenhum daqueles homens com o balanço do mar dentro do peito, negava o chamado. O abandono do atracadouro era toda ele promessa ou temor, e ali mesmo já se cumpria um destino. Conrad, marinheiro desde sempre, bem sabia o que era tudo isso, o que se agitava no espírito dos que não se vergavam diante de ventos furiosos, ondas inclementes, águas sem fim que levariam ao cumprimento do dever ou ao fim da aventura. O naufrágio, sempre uma possibilidade, não os impedia, nem a má comida ou a água escassa, doenças ou insolações. Tudo era desejo, força, razão.
Livros assim são fundamentais, trazem em si uma verdade própria, única, jamais falseável: a de que alguns estão constituídos para mais, para além e para a glória, mesmo que mortal.