Paisagem inglesa

Então surjo ali, no gramado que me é desde sempre tão caro. Tenho 91 anos e surpreendente vitalidade. Acendo meu cachimbo – hábito mui prazeroso que adotei não antes dos 70 -, e deixo que os cães e os gatos ditem o ritmo da caminhada; andamos, por aqui, canina e felinamente.

O pouco frio é suficiente para que eu acesse a garrafinha de uísque que trago no bolso do sobretudo. Bebo, limpo os lábios e passo pela casa de Hardy, a mais antiga de nossas habitações. Cumprimento-o com um aceno, e o velho e bom vizinho responde algo enquanto resmunga. Hardy, embora turrão, é nosso mais generoso morador, mesmo em local em que a generosidade há tempos imemoriais fez-se norma.

Na curva que faço agora vejo Miss Halloway podando imensas flores em seu jardim, um copo de suco de laranja ao alcance da mão, o vestido largo um pouco sujo de barro. Também a cumprimento, e agora recebo a calorosa saudação típica das mulheres que carregam consigo os bons ares desta terra. No sudoeste da Inglaterra a passagem do tempo é amigável, nada nunca está fora de seu lugar, temos tudo aquilo de que precisamos, não cobiçamos nada além do que temos. Olhos pouco atentos dirão: “Nada acontece!”, e aos portadores destes olhos respondo: “Acontece, mas não para os que estão sequestrados por uma pressa que, felizmente, desconhecemos.”

Há crianças na vila, e é curioso observar as reações de algumas delas enquanto Mr. Browery, apoiado em uma belíssima e robusta bengala – e muitíssimo confortável em sua estimada cadeira de carvalho -, recita com voz grave e rouca alguns trechos de Tennyson e Coleridge, para olhos esbugalhados e ouvidos plenos de espanto e temor.

Antes de meu destino, à direita, vemos a pequena trilha para as sebes ao sul de nossa cidadezinha. Ultrapassadas, levam o viajante à velha nobreza, onde os traços de um esplendor perdido ainda são visíveis, tão visíveis quanto sua arrogância.

Agora, quase em casa, posso observar a fumaça que escapa de nossa pequena chaminé. Voltamos todos – eu, cães, gatos -, e lá dentro está a mulher que, 60 anos atrás, decidiu-se por minha companhia.

Comeremos. Riremos de novas histórias e das mesmas histórias. Provaremos mais um pouco do licor que preparamos de tempos em tempos. Enquanto a noite desce com suavidade sobre este nosso querido lugar, abraçados deitar-nos-emos diante da lareira. Pois esta foi a promessa feita, e desta promessa jorram coragem, força e amor.”

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