“Coquinho ao vivo pode?”

Das máximas mais batidas, uma me chama a atenção em particular: “Éramos felizes e não sabíamos”.

Como assim, “não sabíamos”?

Alguém é feliz sem se dar conta da felicidade? É possível tal coisa?

Você está lá – calmo, sossegado, relaxado -, perfeitamente acomodado em algum lugar, sozinho ou com alguém, não sente a necessidade de qualquer coisa além daquilo, e sabe que este aquilo (provavelmente) vai se prolongar ao menos um bocadinho em sua vida. Esqueça os aborrecimentos circunstanciais (o telemarketing, a inevitável reunião condominial, seu feed anunciando outro livro “necessário!, atualíssimo!” ), eles não mudam o que digo. Então, você está lá naquele lugar em que te deixei linhas acima, e pode ser que venha o sono, ou uma caminhada curta, ou mais dez páginas de um romance, ou um apertar em seus culotes seguido de um “tô com uma vontadezinha danada de namorar”, e daí que é impossível não saber que é tudo bom, e chame do que quiser, felicidade, conforto, bem-estar.

Posso até listar bem rápido momentos em que eu sabia que certamente era feliz. Quer ver?

Quando, vindo da escola e depois do almoço, eu me sentava na sala de tv e abria um guaraná e um saco de pipoca doce, aguardando a Sessão da Tarde. Na calçada, depois do futebol na rua, encostado no muro e falando bobagens com dois ou três amigos. Iniciando uma viagem de uma semana na qual eu sabia que não teria compromisso nenhum, fora os drinques, os livros, a música em meus fones de ouvido, as prometidas conversas agradáveis e as facilmente contornáveis conversas desagradáveis. Muitas e muitas manhãs de sábado, um monte delas, tão diferentes entre si e tão semelhantes no prazer. A entrada em um sebo, sem ter que me preocupar com o tempo. As horas que antecederam shows pelos quais eu ansiava. Aquele comecinho de filme. Os inícios de namoro, o casamento com minha mulher, os passeios com meus pais quando criança. A lista pode ser exaustiva.

Ora, em nenhum desses momentos tive quaisquer dúvidas sobre quão bem me sentia, eram todos conscientemente prazerosos. E se repetiam, repetiam e repetiam, com pequenos aborrecimentos aqui e ali, e se me perguntassem se eu era feliz, eu retrucaria: “Uai, mas não é pra ser?!”

Pergunte de agora pra mim, vai.

Acho mesmo que hoje é mais difícil, para duas ou três gerações abaixo da minha, entender o que digo, porque estão acompanhadas da necessidade permanente de se provarem felizes, mostrarem-se felizes, e é claro que isto traz certa ansiedade, e ansiosos não relaxam, ora pois. Olhar para o teto, deitado no sofá, vocês já experimentaram? Tem até uma metafisicazinha aí, tente pra ver. Não fazer nada, mas nada de verdade, talvez nem pensar, e quando o pensamento vem ele chega como um pássaro tranquilo, daqueles que ficam pendurados mais de hora em fio de alta tensão, sem tensão nenhuma.

E era aqui que eu queria chegar, na ausência de tensão. Andamos meio tensos, não? Tensão não produz satisfação, nem quando achamos que, enfim, chegamos lá. Já leram a entrevista de algum zilionário? São beija-flores, eternamente inquietos, batendo as asas centenas de vezes por minuto, e querendo nos convencer de que a vida é  essa busca que não cessa, e que precisamos produzir mais, crescer mais, expandir mais, e quanto aborrecimento e tédio, meu Deus!, não dá pra relaxar! É tanto disto que quando vejo um bilionário diletante, imerso em seu relaxamento (tanto que quase aposto que relaxaria sem um tostão), meus olhos marejam:

– Estamos aqui ao vivo com Álvaro Soares, o homem mais rico do Brasil, em um de seus momentos de lazer. O senhor nos daria uma palavrinha?

– Sim, sim, sem problema.

– O senhor parece bem relaxado aqui. Como consegue isso, com tanta pressão nos negócios?

– Uai, mas eu não sinto pressão nenhuma.

– O senhor está dizendo que consegue ficar tranquilo com todo esse burburinho nos mercados, as questões políticas do governo, a crise internacional?

– Ué, fico sim.

– Como o senhor faz isso? Qual é o seu segredo?

– Segredo?! O segredo aqui nem é segredo: é só chegar cedinho na praia, não tem quase ninguém, dá pra fazer tudo com calma.

– É realmente impressionante como nada parece abalar o senhor.

– É?! Puxa, nem tinha percebido. Se a senhorita me der licença agora, vou pegar mais um coquinho. Aceita? Coquinho ao vivo pode?

Como assim, não sabemos que somos felizes quando somos felizes?

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