“É preciso ler os clássicos”, repete o Grande Irmão Literário.
Mas ora, por que devemos lê-los? Melhor: devemos lê-los? Mesmo?
Não me oponho ao termo “clássicos”, e reconheço as boas coisas que vêm com sua leitura. Questiono é a pertinência de se empurrar goela abaixo do leitor médio, aquele meio que iniciado na leitura, certo número de livros que os mandarins, ao longo dos séculos, apontaram como obras obrigatórias, fundadoras, inescapáveis, redentoras, de altíssimo gozo, ai como era grande!
No que, voltando à vaca fria que move o texto, pergunto: devemos nos sentir obrigados a ler alguma coisa (fora aquelas que figuram como fundamentais ou relevantes, sei lá, para o exercício da profissão X ou da atividade Y)? É justo exigir de quem lê a adesão a uma lista de livros, determinada de há muito como aquela que, sem sua exaustão, acabará por nos fazer grande falta como leitores?
Solto logo no meio da rua o que penso: não, nadica disso, ninguém está obrigado a ler nada que não queira ler, ou que não ajude a gerar uma resposta a algo que julgue necessário. Há de se ter curiosidade, interesse, prazer ou o que quer que seja que se assemelhe a uma justificativa melhor que o chatérrimo “são livros que não podem ser desprezados”.
E se eu os desprezar? Hein?! Cuma?! Vais partir para cima de mim?! Audácia da pilombeta, ui, ui, ui!
Eu mesmo já caí nessa esparrela, enchendo a boca de saliva pra dizer pomposamente que tais e tais livros são fundamentais, que sem eles não se pode entender a civilização ocidental (ou outra qualquer), que são eles guardiões de uma cultura que não se pode perder e deixar para trás, que formam com mais rigor nosso imaginário, que nos fazem mais perspicazes etc. Que canseira eu devia provocar nos outros, hã? Quanta soberba, meu Pai… Quanta deitação de regra!
“Jesus!, cara, como tu é aborrecido!”
“Inteligentão o rapaz, hein?!”
Hoje acho que devemos ler aquilo que gostamos de ler, e que cada um busque suas indagações, que cada um identifique suas necessidades, que cada um ache seu tempo, que cada um construa seu próprio edifício (ou casinha de sapê), que cada um trace seu caminho, que cada um faça suas escolhas livremente, que cada um de nós possa dizer “não, obrigado” às patrulhas literárias que vivem a cobrar leituras básicas, que cada um eleja à vontade seus objetos de gozo. E que lambam sabão os sabichões da crítica, porque eu não vou botar meus dedinhos em nada que eu não queira, sorry, deixem-me em paz se eu quiser passar dois meses lendo só (?!) Conan e a Mad. Não são clássicos?! Sério?! Eu digo que são e que o time de lá é tudo mulher do padre.
Por estas e outras bobagens – como a de enfiar Machado de Assis pelos poros de alunos que mal entraram na adolescência – tanta gente cresce com ojeriza a uma pá de bons e ótimos e excepcionais autores. Quem quer ler alguma coisa sob os olhos inquisidores de avaliadores, insensíveis a gostos, momentos e individualidades?

PelamordeDeus de alguém achar que não recomendo a leitura de obras clássicas. Até recomendo, vai lá, ok, recomendo sim, pronto, assumo, tá bom, você venceu. O que defendo é o fim da pentelhação com ares de aristocracia que está por trás disso tudo, um certo clubinho com o queixo projetado para o alto que faz “tsc tsc tsc” quando alguém não tem certos livros na ponta da língua, ou não manifesta interesse imediato por eles.
Porque há muitas rotas para a leitura, com curvas mais ou menos fechadas, e por elas andamos de contrato assinado com nossas ambições. Que estas sejam altas, não duvido que seja bom. Se baixas ou medíocres, dou de ombros e sigo adiante. “Você, pra mim, é problema seu”, já me dizia um ex-amigo (uma pena… volte pra mim, mon ami, continuo por aqui).
Se leio os tais clássicos? Leio, ora se não (hahaha)… Só que cheguei a eles por minha vontade, por perguntas que me foram surgindo, e meu ânimo de respondê-las. E muito pelo prazer, pela satisfação que arranco dali. Só pra passar horas bem deliciosas, que escolhi deliciosas. Ah, os clássicos… Digo sim a eles quando bem quero. Ainda hoje, digo não a muitos.
É simples, caracoles!: você se interessa por alguma coisa e quer saber mais a respeito? Se queres realmente, tenta lá saber onde e como achar as respostas, um esforcinho pra consegui-las haverá de cair bem a ti; aos poucos, adicione a essa trip cadinhos maiores de leitura. Se não queres resposta nenhuma, xongas, se sequer tens alguma pergunta, e desejas gastar o tempo com coisas saborosas, sem outros compromissos (e sabe-se lá se assim não acabarás por achar uma ou duas respostas), podem vir Dickens, Homero, Platão, Dante, Jane Austen, Nelson Rodrigues, Will Eisner e o escambau. Mas você decide, meu chapinha. Você de-ci-de.
E, por favor, não enchamos o saco uns dos outros com esse troço. Os clássicos não estão aí pra aporrinhar ninguém.