A série para acabar com todas as séries

Este blog, amigos, amigas e amigues, não possui espírito ególatra, ainda que a razão de sua existência soe pretensiosa: indicar aquelas coisas que julgamos boas, e que desejamos dividir com vocês. Se alguém sai de sua leitura tentado a ver, ler ou ouvir algo, já nos damos por satisfeitos. Nem a ambição literária está presente aqui; tentamos não mais que tratar a língua portuguesa com respeito (há vez ou outra frescuras no estilo, admitimos). Por isto, e de acordo com aquilo a que nos propomos, recomendamos ardorosamente o seriado de que falaremos a seguir.

Desde o nosso ponto de vista, uma obra-prima.

A cena é esta: o conde de Westmoreland, primo do rei Henrique V, lamenta a falta de mais homens diante da enorme diferença entre os efetivos de combatentes. Os franceses teriam 60 mil soldados, contra apenas 10 mil ingleses. Isto se dá momentos antes da – por isto célebre – batalha nas planícies de Azincourt, em 25 de outubro de 1415, no Dia de São Crispim. Então, o rei toma a palavra:

Quem expressa esse desejo? Meu primo Westmoreland? Não, meu simpático primo; se estamos destinados a morrer, nosso país não tem necessidade de perder mais homens do que nós temos aqui; e, se devemos viver, quanto menor é o nosso número, maior será para cada um de nós a parte da honra. Pela vontade de Deus! Não desejes sequer um homem a mais, te rogo! Não sou avaro de ouro, e pouco me importo se vivem às minhas expensas: sinto pouco que outros usem minhas roupas: essa coisas externas não encontram abrigo entre as minhas preocupações; mas se ambicionar a honra é pecado, sou a alma mais pecadora que existe.

Não, por fé, não desejeis nenhum homem mais da Inglaterra. Paz de Deus! Não quereria, pela melhor das esperanças, expor-me a perder uma honra tão grande, que um homem a mais poderia quiçá compartir comigo. Oh! Não ansieis por nenhum homem a mais! Proclama antes, através do meu exército, Westmoreland, que aquele que não for com coração à luta poderá se retirar: lhe daremos um passaporte e poremos na sua mochila uns escudos para a viagem; não queremos morrer na companhia de um homem que teme morrer como companheiro nosso.

Este dia é o da festa de São Crispim; aquele que sobreviver a este dia voltará são e salvo ao seu lar e se colocará na ponta dos pés quando se mencionar esta data, ele crescerá sobre si mesmo ante o nome de São Crispim. Aquele que sobreviver a este dia e chegar à velhice, a cada ano, na véspera desta festa, convidará os amigos e lhes dirá: “Amanhã é São Crispim”. E então, erguendo as mangas, ao mostrar-lhes as cicatrizes, dirá: “Recebi estas feridas no dia de São Crispim.”

Os velhos esquecerão; mas, aqueles que não esquecem de tudo, se lembrarão todavia com satisfação das proezas que levaram a cabo naquele dia. E então nossos nomes serão tão familiares nas suas bocas como os nomes de seus parentes: o rei Harry, Bedford, Exeter, Warwick e Talbot, Salisbury e Gloucester serão ressuscitados pela recordação viva e saudados com o estalar dos copos.

O bom homem ensinará esta história ao seu filho, e desde este dia até o fim do mundo a festa de São Crispim e Crispiano nunca chegará sem que venha associada a nossa recordação, à lembrança de nosso pequeno exército, do nosso bando de irmãos; porque aquele que verter hoje seu sangue comigo, por muito vil que seja, será meu irmão, esta jornada enobrecerá sua condição e os que permanecem agora em seu leito na Inglaterra irão se considerar como malditos por não estarem aqui, e sentirão sua nobreza diminuída quando escutarem falar daqueles que combateram conosco no dia de São Crispim.

A vida do rei Henrique V, ato IV, cena III. Shakespeare.

Baseada no relato em livro (1992) do autor Stephen E. Ambrose, a HBO lançou Band of Brothers com estrondo, entre setembro e dezembro de 2001. Com seus dez espetaculares episódios, acompanha a jornada dos soldados da Easy Company, ligada a um regimento de infantaria paraquedista da hoje mais que histórica 101 Divisão Aerotransportada norte-americana. Como desbravadores do salto militar de combate, foram despejados (e recebidos com fogo pesado) atrás das linhas inimigas na Normandia, na noite que antecedeu o tenso Dia D. Seu objetivo: limpar o que fosse possível da área ocupada pelos alemães, facilitando ao máximo o desembarque das tropas aliadas.

Além disto, deveriam continuar território europeu adentro – no que, além da França, combateram em solos holandês, belga e alemão; neste último, tomariam pra si o Ninho da Águia, a fortaleza de Hitler nos Alpes Bávaros.

Narrando sua trajetória desde o treinamento em Toccoa, Geórgia, a série escarafuncha alma e espírito destes voluntários (sim, voluntários, é isto mesmo), um amálgama de cidadãos que no mais das vezes mal haviam saído de sua terra natal, com atividades ou ofícios prosaicos, e que carregaram consigo a responsabilidade de participar da libertação da Europa.

Em um recurso dramático que aqui se nos apresenta com a força da vida simples que – inadvertidamente – termina por se vestir com as roupas da glória batizada no sangue, a cada episódio os depoimentos dos sobreviventes da campanha terminam por amarrar a trama com vigor e brutal honestidade. São falas poderosas, comoventes, por vezes secas e duras, jamais artificiais.   

Produzida por Spielberg e Tom Hanks, revivendo a parceria exitosa de O Resgate do Soldado Ryan, arrastou consigo prêmios de prestígio: 06 Emmys (todos os mais desejados), um Globo de Ouro de melhor série e dois outros troféus de peso: do American Film Institute e do Writers Guild of America (este pelo impressionante sexto episódio, Bastogne).

Oito diretores se revezam na condução do seriado, incluindo Mr. Hanks. O que seria risco é aqui coesão, solidez, estabilidade na prateleira mais alta da arte. Nada é carne demais, nada excede, nada é gratuito, nada deixa de falar ao projeto. Do impetuoso voluntariado ao status de veteranos, os protagonistas exibem uma caminhada que condensa, em pouco menos de um ano, toda uma existência justificada na entrega e no fazer o que deve ser feito, sem quaisquer arroubos de um heroísmo que acabe por falar mais à individualidade que ao grupo e à missão.

Um punhado de felizardos.

*Currahee!

*Veja a série e entenda.

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