Ao ver a luz do sol pela primeira vez em 1969, O Pasquim de imediato rasgou o véu da sisudez, da empolação, do falseamento, da caretice, da hipocrisia; enfim, de tudo aquilo que era vetusto e cansativo na imprensa brasileira de então. Não demorou e logo veio o questionamento descrente, cínico, que em si embutia certa praga: “Mas… um jornal de jornalistas (proprietários)?”
E botando as caras pra fora logo depois do AI-5, vejam que beleza de timing e ousadia. Mas deem uma olhadinha em parte do escrete: Millôr, Paulo Francis, Ivan Lessa, Henfil, Ziraldo, Jaguar, Paulo Garcez, Sérgio Augusto, Caulos, Sérgio Cabral, Fortuna, Tarso de Castro… e estes com a mãozinha preciosa de colaboradores amigos, e olhem que baita time também era este: Vinicius de Moraes, Fernando Sabino, Ruy Guerra, Otto Maria Carpeaux e Otto Lara Resende, Antonio Callado, Carlos Heitor Cony, Albino Pinheiro, Joé Lewgoy, Paulo Mendes Campos… ufa! Tá bom pra ti, garboso infante?
No primeiro parágrafo de sua vasta introdução para a Antologia – Volume I: 1969-1971 – que comprei ainda quentinho do forno, na finada e maravilhosa Letras & Expressões do Leblon -, Sergio Augusto nos diz:
“Foi o maior fenômeno editorial da imprensa brasileira. E não adianta discutir. O “Cruzeiro”? Tinha atrás de si uma poderosa empresa jornalística, os Diários Associados de Assis Chateaubriand. “Veja”? Ora, veja. Com a editora Abril bancando a aventura, modéstia à parte, até eu. Atrás de “O Pasquim”, só havia um punhado de porras-loucas.”
Percebem? Porra-louquice bancando uma publicação semanal, de iniciativa dos próprios jornalistas, sem um patrãozão injetando grana? E com essa turma manejando penas e tinta, a língua solta diante de uma junta militar pouco chegada numa troça? Hum, vai afundar em poucos meses…
Não afundou, e pelo contrário. Os números impressionam, ainda que falássemos do mercado editorial de, sei lá, trinta anos atrás. Meses depois do primeiro número (26 de junho de 1969), já batia os 200 mil exemplares semanais. Com um leitor padrão entre os 18 e 30 anos, e aos poucos espalhando o bafo quente da areia de suas praias pra longe do Rio de Janeiro, era de se esperar a natação em finanças robustas. Qual o quê. Os anunciantes fugiam do jornal como se expostos à lepra somente por mencioná-lo, no medo de uma pressão do governo, que (mal) tolerava a publicação (sem deixar de submetê-la à tesoura, claro). Mas, quaisquer que fossem as condições, seguiu adiante, e mesmo vivendo fases tenebrosas e decadentes, chegou a espantosos 1072 números, o que lhe valeu 22 anos de uma vida sacana e bem vivida.

Quais eram as pautas? Mas que pautas, meu chapa? Eram quaisquer coisas que aquelas cabeças julgassem ser capazes de transformar em matéria interessante. Algumas delas:
– Millôr, logo no início, esculhambando a pretensão de independência do jornal.
– Paulo Francis, dissecando o Marquês de Sade.
– Carlos Heitor Cony, contando-nos uma edificante história de Abraão.
– Chico Buarque, de Roma, mandando notícias.
– A história da cama (sim, o móvel), por Jô Soares.
– Reunião da redação do jornal, para almoçar e discutir as duvidosas qualidades da feijoada em lata.
– Rubem Fonseca e a semântica do palavrão.
– “Um Manifesto Hippie”, por Luiz Carlos Maciel.
– Ivan Lessa, de Londres, espalhando o que Luzia ganhou na horta.
Viram só?
Era, antes de tudo, um jornal de Ipanema, para ipanemenses, e nem era preciso morar no bairro para entendê-lo: bastava o espírito certo, adequado ao clima de festa e mui pouco cerimonioso que saía de suas páginas. Tanto que, com seus cinco endereços, só lá pela metade de sua existência aterrissou por ali, no topo da ladeira Saint Roman. Mas as digitais do mais famoso pedaço de terra do Brasil estiveram nele todo o tempo. Era “Ipanema engarrafada”, como disse um diplomata brasileiro (e não foi o Vinicius, não). Sem esse approach de total descaso para com as formalidades, típico da turma, dinheiro nenhum faria com que desse certo. Era o jornal certo, do e no lugar certo, feito por quem entendia de certo riscado. Assim, foi o que foi – um sucesso estrondoso.
Leiam, releiam, lambuzem-se.
E levem muito pouca coisa a sério.