Não, não comecei com Moby Dick, Tom Sawyer ou Oliver Twist, e não vai aqui nenhuma infelicidade. Até porque escrevo este, que orgulhosamente vos lanço às fuças, na defesa de leituras outras tão capazes quanto de pegar pela mão o leitor e depositá-lo no colo quente das melhores letras, mesmo porque falarei de boas e estimadas letras.
Fora a Enciclopédia Conhecer, talvez um livrinho da (então) onipresente Agatha Christie, e um inesperado Nostradamus (WTF?!), eu me criei foi na barra cascuda das revistas em quadrinhos as mais variadas, que primeiro me chegaram às mãos pelas prestimosas mãos de meu pai, aos borbotões e semanalmente, e que depois tratei de buscar com minhas próprias pernocas, por vezes depois de viagens incômodas de ônibus e bicicleta até bancas/sebos nos centros carcomidos das cidades em que morei. E, Deus!, como era excitante fazer tais coisitas! A boca então chega que empapava a impedir a fala, pois que imensa era a excitação de revelar, naquele monte encardido de papel, o número x da coleção y que eu haveria, abençoadamente, de completar (nunca completei uma sequer, mas me esforcei e cheguei perto, e hoje sei que a completude não me saberia bem).
Comecei pelo trivial diverso da Marvel e da DC Comics, muitíssimo antes de sua estupidificação hollywoodiana (que tornou odiosa minha anciã fonte de prazer). Pilhas do atrapalhado e simpático Homem-Aranha, do robusto, decidido e ingênuo Capitão América, do arrogante Thor, do querido boçalóide Hulk, do circunspecto Homem de Ferro, das distintas personalidades que formavam o Quarteto Fantástico, do temperamental e ciumento Namor, do surpreendente Demolidor, e podem arrolar mentalmente seus mais reputados vilões.
Enfiem neste pacote o escrachadérrimo e iconoclasta Homem-Borracha, o honrado, poderoso e eventualmente entediante Superman, seu menos solene rival Capitão Marvel, e não deixemos de lado minha fixação pelos sujeitos que civilizavam (a tiros e bordoadas) o oeste norte-americano – Tex, Zagor e Ken Parker. Era uma zorra mental que eu administrava adicionando caos hormonal e fantasia sem amarras, como convém a um garotão gloriosamente desprovido de mecanismos internéticos e seus motores potencialmente emburrecedores. Era a minha opinião a respeito e a de colegas, sem a mediação de quaisquer críticos, e valha-me Deus se desejávamos outras colheres em nossa sopa.

Encharcando o preparo com pimenta, a niilista Mad chega ao Brasil sem censura, num humor que, claro, eu não podia captar em sua inteireza, mas que no que processei me forneceu as bases para não levar muito do que eu passaria a ver a sério. O mundo merece um bom esculacho.
Ah!, tínhamos as tiras nos jornais de Hagar, o Horrível, e do simpaticamente relaxado Recruta Zero, e nesta ampla panela de barro incluo com horror e maravilhamento o horror da Kripta (que me apresentou Lovecraft e Poe), e adoçam-me as memórias as aventuras dos gauleses Asterix e Obelix, do esquentado Popeye, do supercool Lucky Luke, dos mais que amáveis e antológicos Mortadelo & Salaminho…
Os almanaques da Disney, uau!, caramba!, eita! Por meio deles conheci melhor este planetinha e suas cicatrizes; eram publicações que apostavam, com êxito, na inteligência da garotada, sem paternalismo e afetação. Éramos capazes de ler aquilo, e naquilo que não o éramos que nos virássemos e buscássemos auxílio.
Não faltaram os mixes do bom oportunismo: Superman encontra, encara e depois assina as pazes com Mulher-Maravilha, Homem-Aranha e, pasmem!, Muhammad Ali! Huuuuuummm!, mas que bom gosto permanece na boca depois do que vai acima, e paro nestas afobadas leituras de moleque, renunciando ao chamamento dos quadrinhos que passei a consumir já com a barba a enfeitar o rosto… e são muitos outros, e bons, e excitantes, e ricos, e valiosos, e aqui piso no freio antes que me vença a tentação de lamentar a passagem do que passou, e infelizmente é o que há, e felizmente tudo aconteceu como vos contei, e como é bom que tenha sido exatamente como está aqui.
Escrevi isto por vontade e gratidão, e que eu jamais seja ingrato para com tudo aquilo que, com mãos alternadamente quentes e frias, massageou com vigor o coração que ainda bate cá dentro.
Como é que dizem aqueles versos de Dylan Thomas (vai de cabeça mesmo)?: “A bola que lancei quando criança/Ainda não chegou ao chão.”