A música, tantas vezes, deve ser ouvida em suas entrelinhas; quando falo em entrelinhas, não trato de suas sutilezas harmônicas, melódicas ou rítmicas, mas de um recado que por vezes o ouvinte não percebe. Recado? Sim, aquele que informa, com ternura, que haverá o momento certo para o bom encontro entre aquelas canções e seu receptor. O mesmo ocorre com livros, filmes, obras de arte, peças de teatro… É preciso que certa sintonia se dê, e é preciso saber escutar a advertência feita. Não era o momento, talvez este nunca venha, mas aguarde, não se apresse e não se aflija, nem mesmo estipule prazos. Sem sinais ou presságios, duas linhas irão se juntar e complementar, mais que se cruzar – se assim os guardiões da boa música desejarem.
O Mastodon raiou sobre certas cabeças no início dos 2000, vindo de Atlanta. O quarteto nunca deixou de demonstrar boas ambições, e que são elas?
Pretensão e ambição eventualmente navegam (n)o mesmo bote, mas em dado trecho de seu curso pode vir (deve vir?) a separação, e isto se dá quando os passos pretendem mais que as pernas. O resultado, assim inevitável, varia entre o patético e o exasperante. Acautelemo-nos todos, e que as pretensões estejam permanentemente sob estreita vigília.
A banda de que aqui falo, no entanto, parece saber desde sempre manter pretensão e ambição apartadas, não permitindo que a primeira macule a segunda, ou que esta seja incapaz de resistir aos avanços da outra. Sabem o que podem entregar, sabem até que ponto o parafuso deve ser apertado, e depois um pouco mais, e mais, até penetrar fundo o bastante na madeira em que cravam seus feitos – estes gloriosa e completamente reconhecidos.

Antes de retornar ao encontro entre música e ouvinte com o qual abri este texto, digo que os primeiros passos de uma banda são muitas vezes dados em terreno lodoso: todas as promessas da abertura podem não se cumprir, para a imensa frustração de músicos (talvez menos) e público (talvez mais). Quantos grandes (possíveis) nomes não foram engolidos pelo vendaval poeirento do tempo? Quantos primeiros e segundos discos não reluzem como o desejo de uma conquista jamais realizada, congelando na história um talento? E assim tantas bandas carregam um brilho já opaco, em anos de tentativas decepcionantes.
Mas esta não é a história do Mastodon, que avançou sacudindo a bandeira do êxito e da honra. E, aqui, entra este narrador no que agora é contado.
Eu o conheci quinze, talvez vinte anos atrás, pelas mãos de um amigo então próximo. Percebi certa luz ali, o bastante para que minha curiosidade me impulsionasse, na expectativa de discos futuros. Só que o padrasto desencontro se repetia, repetia, repetia. Foi-me possível atestar a imensa qualidade do que faziam, disto nunca duvidei. Mas, por alguma razão que jamais sondei suficientemente, aquelas músicas não me capturavam, não me prendiam, não me levavam além do que eu gostaria – e buscava. Eram agendas da passagem do tempo que não se encontravam.
E isto finalmente aconteceu, nestes caniculares dias de janeiro.
Enfim, tudo aquilo que eu sabia estar ali houve de chegar com a força de um imenso punho fechado a se chocar contra meu peito. Primeiro, faltou-me o ar; depois, inundaram-me os pulmões todos os ares do mundo. Estávamos conversando em língua comum, e tudo aquilo que me diziam era integralmente compreendido.
Mastodon e eu, juntos em uma mesma estrada. Estamos lado a lado, e assim será.