No ano acima eu estava um tanto enrolado: continuava a cursar Educação Física na Federal aqui do Estado, e havia acabado de entrar em um curso noturno de Direito, na cidade vizinha. Somado a isto estava meu trabalho, na siderúrgica de Tubarão, em uma terceira cidade. E, ah!, uma extensão universitária que me ligava, nos finais de semana, a um projeto esportivo em comunidades carentes (sábados e domingos, por vezes o dia todo). Tudo bem, eu era jovem e tinha bastante gás, mas vamos combinar… não era mole nem fácil.
A rotina me levava a um regime quase espartano: antes de entrar no trabalho, às 8h15, consegui encaixar duas ou três aulas semanais às 7h, o que me dava um tempo justíssimo para chegar (de ônibus) ao local de labuta. Arrumei uma disciplina, ainda, que me permitia participar de uma aula das 17h às 17h50, no que eu me obrigava a sair afobadamente para encarar dois ônibus até a faculdade noturna. Sentiram a pressão?
Se já havia encaixes milimétricos, pensem no baque quando a prefeitura (onde cumpria a tal extensão) convocou seus funcionários para uma missão especial: devíamos entreter um cantor que se apresentaria na cidade, e que se habituara a solicitar aos contratantes a cortesia de uma equipe de futebol para uma prosaica pelada. E quem mais à mão que os bravos e jovens guerreiros da secretaria municipal de esportes?
No que, bagunçando o que bagunçado já era, este mancebo que vos fala respondeu ao chamado; aos trancos e barrancos (e com a compreensão de seu siderúrgico chefe), apresentei-me de corpo e alma presentes ao órgão municipalesco e cidadesco.
Havia uma escola que, então, teve sua quadra reservada para o fim de tarde. Com tênis e roupas apropriados (naquele estilo oitentista manjadérrimo), rumamos para a peleja. Chegamos. Deram-se os cumprimentos de praxe, com algumas tietes cercando o consagrado cantor. Certo frisson no ar cercava os participantes da partida, fora os inevitáveis penetras. Aquecimento, algumas risadas descontraídas. De um lado, Chico Buarque e turma. De outro, os valorosos e anônimos jogadores da minúscula capital. Um amistoso, uma bolinha singela, uma ou duas câmeras da filial da Globo registrando o embate (soube por minha mãe, naquela noite, que eu surgira brevemente na telinha). Como árbitro, um servidor da prefeitura.
Informo, então, que nada de memorável ocorreu, nada que fosse inusitado para além do fato de que desconhecidos enfrentavam uma estrela da MPB. Sendo honesto, não me lembro de nada que cheirasse, de minha parte, a deslumbramento. Antes de tudo, para mim, era trabalho – e, claro, o prazer de um fominha diante da pelotinha de couro.
Sei que vencíamos quando, sofregamente, abandonei o jogo antes de seu fim, preocupado com o tempo para chegar à prova marcada, esta sim a razão de minha atenção maior naquele dia (não quero parecer blasé). Folgo em dizer que batíamos o escrete buarquiano por algo como 5×2, e este modesto escriba contribuíra com dois ou três gols, e não minto quanto a isto. Eu dava boa conta do recado, juro.

Esta é, pois, toda a experiência que possuo quando o assunto é o senhor Chico, que admiro como compositor, mas que até agora não havia visto sobre um palco, ao vivo e pessoalmente. Por que conto esta história? Porque no último sábado estivemos no Rio para assisti-lo, no que observamos meu velho freguês (risos) fazendo o que melhor sabe – e ele o fez muitíssimo bem, alcançando notáveis notas para um senhor de 78 anos.
Porque na bola, vamos combinar, este que vos escreve é melhor artista.
Modestamente.