A história é a mesma – maravilhosamente a mesma – desde os primórdios do rock: elas nascem idealizadas, abrem seu caminho a socos, um punhado de pessoas enxerga as boas possibilidades (enquanto o desdém pauta a maioria), as lutas parecem intermináveis (bem como os obstáculos), o underground e qualquer buraco de esgoto exigem sangue, suor e tripas. Elas, as bandas de rock, que surgem dando braçadas em um lodo que impede movimentos amplos, o mesmo lodo que grita vitorioso tantas vezes – pois que poucas conseguem arrastar seu corpo para fora dali.
O Sepultura, formado em BH na primeira metade dos anos 80, não escapou ao roteiro. Criado a partir da insistência cega dos irmãos Cavalera, Max e Igor, e com Paulo no baixo, a partir do terceiro disco (já com o abusado talento de um paulista do ABC, de nome Andreas Kisser) sedimentou seu espaço aqui e no exterior – às cotoveladas, sem pedir licença ou favor
Com os álbuns Schizophrenia (de 87, o tal terceiro disco), pela também belorizontina Cogumelo Records, e Beneath the Remains (89), agora na gringa Roadrunner Records, bateram o pau death/thrash na mesa e deram o Brasil como conquistado. Com Arise (91), concluíram a primeira etapa da invasão dos territórios europeus e norte-americanos. Mas queriam mais, e um mais que a eles não bastava como uma reafirmação do que faziam. Eram brasileiros, ainda que já vistos aqui e lá fora como um grupo de força internacional. E, brasileiros, resolveram enfiar o corpo todo naquilo que esta nossa Pindorama descaradamente oferece aos ouvidos: grooooooooooooveeeeeeeeee, balançoooooooooo! O Sepultura lançou sua maior aposta até aquele momento, encharcando de batuque, viola caipira e cantos indígenas o novo disco, Chaos A.D. (93), fora algo eletrônico-new metal. Tinha início seu ataque ao topo, ao fim de uma escalada de quase dez anos. Já ninguém mais poderia se esquivar de seu massacre sonoro, agora sem precedentes. Eles fincavam estacas na elite do heavy metal mundial, indiscutivelmente. Tours impressionantes – pelo número de datas, pela subjugação do público – vieram e estabeleceram em definitivo os jungle boys (como parte da imprensa especializada estrangeira começou a se referir aos quatro, que jocosamente trataram tal sandice).
Em 1996 veio Roots, seu disco mais ambicioso – e que cumpria plenamente sua ambição. Poderoso, graúdo, barulhento, tecnicamente impecável, cavucando mais fundo nos sons brasileiros, dobrando a aposta iniciada três anos antes. Era metal incomparável naquele cenário, não havia rivais para aquilo, já que ninguém mais produzia nada parecido. Gerações de headbangers brazucas estavam mais do que vingados: tínhamos os nossos lá no alto, e a gringalhada que se virasse pra bater de frente com eles. Virem-se, malucos!, corram atrás!
Então… uma briga entre Max e o trio, envolvendo a empresária da banda (mulher do primeiro), trouxe inacreditavelmente o divórcio no auge do grupo. Mas tanta ralação, tanta porcaria no caminho, tanta remada no pântano… e agora vai tudo pro alto? Mas que diabo (ele não é o pai do rock?)!

Nos últimos 25 anos, o Sepultura seguiu adiante. Se no início todos duvidavam de que o rompimento fosse superável (e cogitaram até mesmo mudar o nome da banda), acharam novo vocalista e, nos primeiros dez anos desta nova fase, a bateria continuou sob o comando de Igor – até que este se reaproximasse do irmão mais velho e deixasse o barco. Juntos, os irmãos montaram o projeto Cavalera Conspiracy. Max, logo depois de deixar o Sepultura, montou seu Soulfly, ainda na ativa e com uma pá de discos lançados.
Nenhuma possibilidade real de apaziguamento e reunião parece considerável. Andreas Kisser (coadjuvado por Paulo) mantém-se firme no comando do grupo, que continua lançando (bons) discos e excursionando sem cessar, impiedosamente.
Mas a história já está escrita, aconteça o que acontecer. O Sepultura inscreveu seu nome entre os grandes do rock pesado mundial, e para sempre. Como um só corpo, fomos até lá juntos, firmes e implacáveis. Caminhamos, vimos, urramos e conquistamos, contra antipatias e desconfianças. Partindo do país que partiu (samba & carnaval & axé & sertanejo), esta vitória é mais significativa e saborosa.