A Morte pede um descanso

Lançado em 2005, As intermitências da morte, de José Saramago, traz um escritor já consagrado por público e crítica (ganhara o Nobel sete anos antes). Um livro pequeno, curto, buscando um tema que poderia, com tranquilidade, receber tratamento de maior fôlego. 

“No dia seguinte ninguém morreu” é a frase iniciadora do processo de desorientação e angústia (que se segue ao breve momento de alegria), pois que a Morte, ossuda e inevitável, deixa de desempenhar sua obrigação solitária. A decisão da sombria figura – de não mais trabalhar, sabe-se lá por quanto tempo – traz as incontornáveis questões filosóficas e sociais sobre sua função e necessidade, e as primeiras cem páginas enfrentam as consequências de vidas que não mais transitam para seu oposto.

O cenário desta utopia-distopia (inicia-se com júbilo, prossegue com terror) é determinado país, jamais identificado, no qual a possibilidade de permanecer indefinidamente vivo – mesmo em situações em que tal coisa não deveria acontecer – traz consigo problemas jamais enfrentados por quaisquer governantes.

O que serão de funerárias, hospitais e lares, com pessoas a nascer e sem pessoas a morrer? Como lidar com o sofrimento que não recebe o alívio do fim pela morte, e a dor que se expande sem novo horizonte entre os que amam aqueles que padecem? Autoridades devem, agora, incluir em seu planejamento medidas que busquem minimizar os danos causados por vidas que não cessam de pulsar.

Diante deste cenário, seres humanos repentinamente se aproximam dos demais animais, que desconhecem a ideia do suspiro final. Curiosa e inteligentemente, Saramago circunscreve o fenômeno, o que resulta na busca da morte para além das fronteiras de uma nação que agora se sabe amaldiçoada. Parentes levam entes queridos, já fartos da vida, para locais outros em que possam, enfim, despedir-se de sua história.

E neste romance a Morte constitui-se mulher, no que se faz uso de sua reputação como ente feminino, e como mulher o escritor lhe permite o amor por um homem a quem devia tirar a vida. Vê-se aqui que ela, a indesejada das gentes, deve igualmente encarar o espanto.

No mais, encontra-se aqui estilo incomum, marca do romancista: diálogos marcados por letra maiúscula, interrompidos por vírgulas, sem travessões, o que provavelmente permite ao leitor maior leveza e fluidez para seguir adiante. Aos que estão a conhecer Saramago, esta é uma opção que rapidamente perde estranheza, tornando-se familiar e prazerosa.  Trata-se, assim, de boa obra introdutória para quem deseja se aproximar de seus livros, pois que é curta, de bom ritmo e, ainda que com tema de certo desconforto, simpática. Se você deseja lê-lo e ainda não o fez, comece por aqui.

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