Foi em 2003.
Vamos lá.
Eu era professor em faculdade particular e no Estado. Em abril daquele ano, eu e meus pais viajamos a Portugal/Espanha. Íamos, entre outras coisas, visitar juntos as casas de aldeia em que ambos moraram quando crianças. Alugamos um carro e rodamos por duas semanas. Foi ótimo.
De volta, soube que uma banda que acompanhava com algum interesse lançava novo disco, e uma ou outra apreciação indicava uma guinada já ensaiada nos últimos álbuns. De um grupo que estourou nacionalmente apoiado no ska, no reggae e no dancehall, o Skank apostava alto em um som algo psicodélico, numa espécie de britpop com alta beberagem nos Beatles. Comprei aposta e disco.
Lembro de chegar em casa e de imediato colocar o disquinho pra rodar. Paixão instantânea: era e não era o mesmo grupo, pois que a maturidade viera (e com ela a melhor coisa que haviam feito até então). Que belezura, que finesse, que cuidado com arranjos e letras, que variedade de abordagens, que som cheio, que ganchos e refrães! Uma ideia sonora que rivalizava com o que de melhor e mais avançado se fazia lá fora. Tínhamos uma grande banda de pop rock, que podia se apresentar aos gringos sem qualquer vergonha ou complexo. Naquele mesmo ano fizeram um show imenso na praia, aqui na ilha-capital, gratuito, e confesso certa decepção minha – acreditei e desejei muito que as novas canções pudessem dominar a apresentação, na ingenuidade de que domariam seu público sem enfileirar hits. Mas tudo bem, estava valendo.
Até que, no dia 17 de setembro, data de seu aniversário (e escolha dela), minha mãe é internada para uma intervenção que deveria ser razoavelmente simples, curta, exitosa. Voltaria para casa com certa rapidez, e deixaria que as felicitações fossem o centro das conversas. Ela jamais voltou.
Complicações inesperadas (e certa negligência médica) a levaram a sucessivas paradas cardíacas, a um mezzo coma e, depois de sofridos três meses, a seu velório e enterro.

Nestes três meses, Cosmotron e o Skank foram parte importante de minha sustentação emocional. As faixas ganhavam significado fresco, insuspeito, único, indizível para terceiros. Tudo era lido de modo novo, e recebido distintamente. Se um tema amarrava o disco, este era a iminente morte de minha mãe. Eu o ouvi durante quase todos os dias até o 18 de dezembro, dia em que foi sepultada. E prossegui em sua audição ainda por bom tempo. Ele foi seu réquiem, explicava seu legado, falava somente para mim. Não conseguiria jamais voltar a ouvi-lo sem associá-lo àquele momento que dividia as águas de minha vida. O que já era um grande álbum, passou a grande álbum de meu museu de memórias. Ouçam, é uma grande obra do nosso pop. Depois dele, nada mais do grupo (que a meus olhos já se justificara) mereceu minha atenção. Este disco é meu de um modo irrepetível, e não há elogio maior para as músicas que lá estão.