Só nós tínhamos um Pelé

Pelé foi presença em minha vida desde cedinho. Não tenho lembranças da Copa de 1970, mas foto caseira sabe-se lá onde guardada registrou a mim com meu pai na Esplanada dos Ministérios, em Brasília, recebendo a seleção campeã do mundo.

Pouco depois, tudo aquilo que havia de mais belo no futebol eu já associava a Pelé, e também na beleza de qualquer arte ou prática. Era usual referir-se aos ícones em várias áreas como “o Pelé do(a) alguma coisa”. Quando meu pai esteve nos EUA a trabalho por alguns meses, nos anos 70, trouxe-me como o presente que mais me emocionou uma camisa verde do Cosmos, clube que o Divino Negão então defendia em NY.

Por toda a mitologia que o cercava, quando fui ao cinema assistir ao filme de John Huston, aqui batizado de “Fuga para a vitória” (no qual contracenava com Stallone e Michael Caine), não me surpreendi (e ninguém deixou de achar verossímil) quando o personagem de Pelé, convocado a palpitar sobre o melhor esquema para seu time de prisioneiros em jogo contra os alemães, apresentou sua fórmula: passem-me a bola e eu driblarei todos até o gol. Era o Pelé, ora!

E assim minha vida, como a dos brasileiros, seguia com o já ex-jogador onipresente: a reverência e a tietagem de Presidentes e demais líderes mundo afora, a admiração de reis, rainhas e papas, o tumulto que o cercava em qualquer aparição internacional. Pelé era nosso, era nossa melhor credencial. Como certa vez disse Gerson, o Canhotinha, quando perguntado qual o segredo do título mundial no México: “Nós tínhamos o Pelé, eles não”.

É isso, basicamente: nós tínhamos o Pelé, o resto não.

Ao saber de sua morte, chorei duas vezes. A primeira, já de saída para uma sessão de cinema, de modo abafado e discreto, escondido pelos óculos escuros. A segunda ao passear pela rua com Violeta, nossa cachorrinha, já aos soluços. Agora, enquanto escrevo, choro novamente. De algum modo, era bom saber que Pelé estava no mundo, vivo. Ele, que nos exorcizou do complexo de vira-lata apontado por Nelson Rodrigues. Éramos, a partir dele e se alguém ainda duvidasse, vitoriosos.

Ele se foi, então. Sites, jornais, televisões e perfis em redes sociais pelo mundo repercutem sua partida. Aos 82 anos, muito longe de seu auge no esporte, o Atleta do Século ainda sacode o planeta. Eu, brasileiro, anônimo e um tanto besta, sinto em meio a esta tristeza um orgulhosinho de ter sido compatriota do maior jogador de futebol de todos os tempos. Tão grande que, em seu adeus, ainda nos presenteou, tornando o mundial da Argentina apenas o segundo assunto mais importante no meio futebolístico de 2022.

Para mim, três momentos entre centenas ficarão marcados até minha morte: Pelé aos socos no ar, pelo Santos em final da Libertadores na Argentina, depois de um gol que calou aqueles que o chamavam de “macaco”; no colo de Jairzinho na Copa de 70, braço no ar; e, novamente pelo Santos, na final do Mundial em Lisboa contra o Benfica, em que meiões, calção e camisa brancos cortavam o gramado sem que ninguém os alcançasse. Pelé criou o futebol moderno. Pelé redimiu o futebol brasileiro.

Muito obrigado, Rei. Você fez muita gente feliz.

Eu fui feliz contigo.

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